No mês de janeiro de 1945, o
Exército Vermelho ocupou a região em torno da cidade de Cracóvia, na Polônia.
No dia 27 do mesmo mês, um grupo de vanguarda chegou ao complexo de Auschwitz,
a cerca de 60 quilômetros daquela cidade, já abandonado pelas forças alemães,
marcando nesta data a libertação dos sobreviventes que ali restaram. O encontro
entre soldados soviéticos e últimos internos vivos do campo de extermínio foi,
de modo pungente, narrado por Primo Levi, em livro que dele recebeu o título de
A Trégua. A obra, publicada em 1963,
começa por descrever os últimos dias passados pelo autor na enfermaria do campo
e, depois de longo périplo, termina com o seu regresso a Turim, sua cidade
natal.
Homem cético e atento ao que
viu e viveu no campo de extermínio, Primo Levi jamais poderia atribuir a seu
livro um hipotético título tal como A
Libertação. Aquilo que antes ele já nos havia revelado em É isto um homem? – uma narrativa sobre a
vida em Auschwitz (e não apenas a morte) – impediu a adoção de qualquer inclinação
otimista: depois de Auschwitz sobrevém não a liberdade, mas a trégua.
Não chega a ser, tão pouco,
pessimismo. A escolha do título diz respeito à sombra projetada pela
experiência do campo de extermínio sobre a posteridade. Uma sombra mesmo
indelével: o campo não é algo que, uma vez desfeito em sua materialidade, cessa
de produzir efeitos. O que resulta é, na melhor das hipótese, uma trégua; um
hiato diante da sempre posta possibilidade do inaudito.
Muito se disse a respeito do
legado de Auschwitz. Theodor Adorno, um dos principais expoentes da Escola de
Frankfurt, foi responsável pelo célebre juízo de que fazer poesia depois de
Auschwitz seria um “ato bárbaro”. Primo Levi, ao contrário, defendia a ideia de
que depois de Auschwitz, é impossível não fazer poesia a respeito. Imre Kértez,
também ele um sobrevivente de Auschwitz e Premio Nobel de literatura em 2002,
definiu o Holocausto como um “estado de espírito”.
São vários, portanto, os juízos
sobre a sombra projetada pelos campos da morte sobre a posteridade. O encontro
que, a 27 de janeiro de 2015, a Biblioteca Nacional realiza tem por objetivo,
além do desejo de fixar nossa atenção sobre a data, refletir sobre a sombra
mencionada e sobre a condição mesma de viver em estado de trégua. Um estado que abriga questões liminares e
extremas: trauma, verdade, limites e recursos da linguagem e da representação,
memória, transmissão, testemunho e a “forma de vida dos humanos”. Por caminhos
distintos, tais temas serão considerados pelos participantes da mesa, pelos
ângulos da arte, da estética, da psicanálise e da filosofia moral e política.
Participantes:
Leila Danziger, artista
plástica, professora do Instituto de Artes da UERJ.
Eduardo Vidal, psicanalista,
membro da Escola Letra Freudiana.
Joel Birman, psicanalista,
professor do Instituto de Psicologia da UFRJ.
Renato Lessa, filósofo político,
presidente da Biblioteca Nacional.
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